Contam os nagôs igbomina em solo brasileiro, que, nos alvores da criação da humanidade, o Àiyé (planeta Terra) fazia divisa com o Sánmà[1] (infinito), não havendo morte física. O ser humano ao chegar no limiar da sua estadia na Terra (Àiyé), ia residir no Infinito, ficando o mesmo com a permissão de ir e voltar ao Àiyé quantas vezes quisesse.
Em meio a toda essa benevolência divina, uma mulher estéril dirigiu-se a Bàbá Àjàlà e solicitou-lhe, ocultamente do seu esposo, concessão para conceber um filho, pois este era o seu maior desejo. Inúmeras vezes este fato se repetiu, e a resposta era sempre a mesma: “Não! Tu não tens este direito; tua estirpe encerra contigo. Assim está escrito”. Firme em seu propósito, a mulher não desistiu. Calçada nesta refutação solicitou o auxílio de Exu (Èsù) no sentido de alcançar a permissão para o seu intento. Ele, prontamente, determinou que ela ofertasse a Bàbá Àjàlà[2] um cesto de palha forrado com ramos de malícia-das-mulheres (patonmó) e ramos de hena (ìyálómo). Tendo em seu interior quatro frutos inteiros de pimenta da costa (atãre) e quatro frutos inteiros de pimentão-doce (ata jíje), juntamente com um preá e um caramujo comestível, ambos vivos.
Feliz com a resposta, a mulher providenciou imediatamente a entrega das ofertas. Estas oferendas foram aceitas com bons olhos por Bàbá Àjàlà, que, movido pela insistência e pelo desejo veemente da mulher estéril, permitiu arbitrariamente a sua fecundação. Contudo, uma condição lhe foi imposta: “Seu filho ao nascer deverá chamar-se Adêtaiiê (Adétàiyé)[3]. O mesmo jamais poderá transpor a fronteira do Àiyé”.
Findo o período das nove luas, a mulher deu à luz um belo menino. Logo após o parto, relatou a seu esposo sobre a oferta que havia feito a Bàbá Àjàlà. Disse-lhe também que a oferenda tinha sido indicada por Exu e que, mediante a quebra de uma interdição, seu filho jamais poderia cruzar os limites do Àiyé com o Sánmà. O pai de Adêtaiiê não se contrariou. A felicidade de ter sido pai superava qualquer empecilho. O tempo passou. Desde que o mesmo deu os primeiros passos, sua mãe tomou todos os cuidados necessários para o perfeito cumprimento das determinações feitas por Bàbá Àjàlà. E assim os anos se passaram. Quando Adêtaiiê tornou-se adolescente, a proibição tornou-se uma incógnita difícil de ser contornada. Sempre que seus pais iam visitar seus ancestrais no infinito, o jovem perguntava: “Aonde vão? Por que não posso acompanhá-los?” A resposta era sempre a mesma: “Um dia, você irá”.
Sabedor de que seus pais jamais o levariam em viagem até o infinito, ao oposto dos demais genitores que seus levavam, Adêtaiiê resolveu, às ocultas, seguir seus pais. Infiltrando-se junto aos demais, seguiu jornada afora. Depois de muito andar, o jovem chegou ao limite do Àiyé com o Sánmà. Tão logo o ultrapassou foi visto por seus pais, todavia, era tarde demais.
Ao adentrar o infinito, Adêtaiiê reconheceu imediatamente aquele local e o caos teve início. O desespero tomou conta do jovem, que começou a gritar e chorar desesperadamente. Soluçando dizia: “O que significa tudo isto? Como posso conhecer este lugar sem nunca ter vindo aqui antes?” A agonia e o choro de Adêtaiiê atravessaram os noves espaços sagrados do infinito (Sánmà) até chegar ao ante-espaço (Ibùgbé Sese Sánmà), da morada de Olôdumarê (Olódùmarè) o Criador Excelso.
Ao tomar conhecimento dos fatos ocorridos, Olôdumarê, irado com a desobediência, pronunciou-se: “Por que violaram meus desígnios, infames mortais? Em face este ultraje, separarei em caráter definitivo o infinito da Terra. Entre eles existirão o espaço vazio (òféèrefè) e um espaço negro (ìtakéte dúdu), contendo no interior deste último o desconhecido” (àilókìkí). Em seguida, Olôdumarê lançou seu cajado divino (òpásóró), que, cruzando os noves espaços sagrados, cravou-se na Terra, deixando os seres humanos, que estava no infinito (sánmà) durante o ocorrido, presenciarem desolados o aprisionamento e o fechamento do portal do mesmo (ãisè sánmà).
À medida que o cajado divino (òpásóró) percorria o caminho de volta para as mãos de Olôdumarê, separava, em caráter irreversível, o infinito (sánmà) do planeta Terra (Àiyé), habitando entre eles o vazio e o desconhecido.
Bibliografia: PENNA, Antonio dos Santos, Mérìndilogun Kawrí – Os Dezesseis Búzios. Pàginas 23 e 24 – Produção Independente: RJ, 2001.